Ser imigrante significa ter que reaprender tudo — inclusive seus direitos



No dia em que meu marido foi demitido, a gente não sabia ainda, mas nossa vida estava prestes a virar do avesso. Ainda nem tínhamos feito 1 ano morando na Holanda.

Ele chegou ao trabalho como em qualquer outro dia. Mas não era um dia comum. A gerente inventou uma nova regra — uma daquelas que só se aplicam a uma pessoa — e, com o aval do dono da empresa, mandou ele embora. Sem aviso. Sem conversa. Só mandaram ele pra casa. E foi isso.

Ele é espanhol. Eu, brasileira. E naquele momento, nenhum de nós estava preparado. Ambos trabalhávamos na mesma empresa, que já há algum tempo vinha mostrando sinais de ser um ambiente tóxico. Especialmente com ele.


Os sinais estavam ali… mas a gente ainda acreditava

Nos últimos meses, ele vinha sendo pressionado o tempo todo. Nem nos dias de folga deixavam ele em paz. Sempre surgia uma nova cobrança, uma nova “urgência”.

Quando o melhor amigo dele faleceu, ele foi ao enterro — e alguns colegas, junto com os próprios chefes, colocaram em dúvida a veracidade da história. Sussurros, olhares, desconfiança. Tudo isso num momento de luto, foi tão nojento escutar aquela dúvida em um momento tão delicado que eu nem tive reação.

Mesmo assim, ele tentava tornar o ambiente melhor, propunha mudanças, novas ideias. Mas parecia que, quanto mais ele tentava contribuir, mais resistência encontrava.

Até que veio o golpe final: criaram uma nova regra. Só pra ele. E quando ele não conseguiu segui-la — porque era simplesmente injusta — foi desligado.


A demissão veio com um alerta: a gente precisava se informar

A gente confiava nos donos da empresa. Por isso, tudo doeu ainda mais. Eles foram daqueles que nos acolheram no início. Nos ofereceram moradia, me ajudaram a tirar meus documentos mais rápido, porém de uma hora pra outra, viraram as costas. E a única coisa que conseguimos fazer naquele momento foi respirar fundo e buscar informação.

Eu fui atrás. Perguntei, pesquisei, me perdi em sites de governo, em fóruns, em grupos de apoio. Porque ninguém te conta que, ao decidir viver fora do seu país, você vai precisar se tornar praticamente especialista em direito (trabalhista, civil, constitucional) do país onde você mal fala a língua.

Ser imigrante, às vezes, é como recomeçar tudo do zero. Não só a carreira, a vida social, o idioma. Mas também o conhecimento que você tinha sobre como o mundo funciona.

No Brasil, eu saberia exatamente o que fazer. Já teria procurado um advogado, provavelmente já estaria com uma audiência marcada. Aqui, não. Aqui você tem que esperar. Depender da ajuda de quem mal conhece. Confiar em instituições que você não entende. E lidar com o medo constante de que algo saia errado.


Quando você é imigrante, parece que está sempre em desvantagem

Ser imigrante é carregar um peso invisível. Um peso que te faz duvidar de si mesma, dos seus direitos, da sua força.

A verdade é que, muitas vezes, a gente sente que não pode errar. Que tem que aceitar tudo calada. Que está sempre “no país dos outros”, e por isso deve aguentar mais do que deveria.

E foi só 20 dias depois da demissão do meu marido que chegou a minha vez. A falta de respeito só aumentou. A pressão psicológica também. Então eu pedi demissão. E saí.


A virada: sair foi a melhor coisa que poderia ter acontecido

Na hora, claro, a gente só pensa na perda. No medo. Na frustração. Mas hoje, olhando com mais calma, entendo que sair daquela empresa foi o que me permitiu enxergar meu valor.

Pouco tempo depois, consegui outro trabalho. E, em menos de um ano, fui promovida a líder de um setor da produção da nova empresa onde trabalho. Ainda não é o emprego dos meus sonhos (porque não é exatamente na minha área), mas é um lugar onde me sinto respeitada e reconhecida. E isso já faz uma diferença enorme.

Essa nova etapa me mostrou que, mesmo quando tudo parece ruir, há caminhos que se abrem. Caminhos que nos fortalecem. Que nos ensinam a confiar de novo, principalmente em nós mesmas.

E com o conhecimento que eu adquiri dessa experiência, ficou mais fácil negociar e exigir a minha parte, sem deixar que ninguém me subestime ou aproveite da minha condição de imigrante.


Um recado pra quem também é imigrante

Se você está fora do seu país, saiba: você não está sozinha. E, por mais difícil que seja, não desista dos seus direitos.

Você merece trabalhar em um ambiente respeitoso. Você merece ser tratado com dignidade. Você merece ser ouvido — e protegido — pelas leis, sim.

Procure informação. Busque apoio. Pergunte, mesmo que em outro idioma. Não se cale diante do que está errado.

Ser imigrante não deveria ser sinônimo de vulnerabilidade. E a melhor forma de mudar isso é com coragem e informação.

💡 Recursos úteis para imigrantes na Holanda:

📌 1. Juridisch Loket – Orientação jurídica gratuita (em holandês e com apoio para estrangeiros)

O Juridisch Loket oferece aconselhamento legal gratuito sobre trabalho, moradia, dívidas, imigração e mais. Eles explicam seus direitos e, se necessário, encaminham você para um advogado.

🔗 Site: www.juridischloket.nl
📞 Atendimento também por telefone: 0800-8020
💬 Dica: peça ajuda a um holandês para ligar ou marcar um atendimento. Eles atendem em inglês também.


📌 2. FNV (Federatie Nederlandse Vakbeweging) – Sindicato dos trabalhadores

A FNV é o maior sindicato da Holanda e ajuda com direitos trabalhistas, negociações coletivas e suporte jurídico em casos de demissão, abuso ou injustiça no trabalho.

🔗 Site: www.fnv.nl
🌍 Página em inglês: FNV International Workers
🛠️ É possível se filiar e receber apoio em sua situação específica.


📌 3. UWV – Instituto de Seguro Social

É o órgão responsável por questões de desemprego (como seguro-desemprego), registro de demissão, e reintegração no mercado de trabalho.

🔗 Site: www.uwv.nl
🌐 Página sobre benefícios por demissão (WW): uwv.nl/particulieren/werkloos
📝 Importante: registre sua demissão o quanto antes para verificar se tem direito ao seguro-desemprego (WW-uitkering).


📌 4. Het Juridisch Spreekuur voor Internationals – Ajuda jurídica para estrangeiros (Zeeland, Roterdã e outras regiões)

Algumas cidades holandesas têm "Juridisch spreekuur voor internationals", ou seja, sessões de orientação jurídica especialmente voltadas para estrangeiros. Verifique se sua cidade tem.

🔍 Dica: pesquise no Google: juridisch spreekuur voor internationals + [sua cidade]


📌 5. 113 Zelfmoordpreventie – Apoio emocional e saúde mental

Ser imigrante em crise é muito difícil. Se estiver enfrentando ansiedade, depressão ou sobrecarga emocional, você pode falar com alguém.

🔗 Site: www.113.nl
📞 Linha direta: 0800-0113
🧠 Disponível 24h, também em inglês. Gratuito e confidencial.


📌 6. Facebook & grupos de apoio de imigrantes

Ali você encontra quem já passou por situações parecidas e pode indicar caminhos mais rápidos.


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